
“Uma deusa, uma louca, uma feiticeira”. Não sei o que me deu na cabeça para apresentar “a” Giovana Madalosso assim na entrevista no podcast Retrato Gravado. Pensei que era o nervosismo, depois me dei conta de que era exatamente o avesso. É que a Giovana, a escritora, a mulher, a menina, a anciã, faz com que a gente se sinta à vontade no primeiro toque. Durante a conversa, descobri o motivo: ela gosta de verdades, de pormenores, de histórias, de escuta e de dúvidas. Coisas que alimentam a narrativa dela, como no seu recém-lançado livro Batida Só (Todavia). 3u4r6t
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No livro, ela trata de assuntos urgentes e oportunos, como a inquietação diante da vida e da morte, as conexões com as pessoas, a destemperança em torno do que inquieta. Batida Só é daqueles livros que atropelam, mas não seria diferente, já que foi escrito por quem arrebata.
Nascida em Curitiba e formada em Jornalismo pela UFPR, Giovana é autora de A Teta Racional, Tudo Pode Ser Roubado e Suíte Tóquio (finalista do Prêmio Jabuti). Colunista, busca inspiração contínua no que está ao seu redor. Dentro e fora. Em 2023, escreveu uma crônica que bateu no estômago de muita gente. O tema era a quase escravidão que viveu no tempo em que trabalhou com publicidade numa grande agência de São Paulo, onde mora atualmente, com guarda compartilhada com a capital paranaense.
Mas o que separa aquela Giovana que escreveu sobre o “inferno” que viveu há mais de 15 anos, da que volta o olhar para temas ainda mais intimistas, como a ansiedade, depressão e o medo iminente de morrer? “Muita coisa separa e muita coisa une”, ela diz. “O que separa é que hoje eu estou no caminho certo que sempre escolhi para mim: que é o da literatura”, agradece.
A escritora conta que, apesar de ter aprendido muito com a experiência publicitária, sentia-se quase como uma estrangeira no ambiente corporativo. “Eu me trancava no banheiro para ler”, lembra. A diferença está em que agora ela se sente num “lugar seguro” para falar, autorizado pelo distanciamento do que viveu.
Filha de Neuza e Carlos, do mega tradicional e queridinho Restaurante Madalosso, Giovana declara-se uma ovelha cinza da família. Desde criança teve que romper com o conservadorismo e o catolicismo da criação em busca da individualidade (im)perfeita. Aos nove anos, quando a leva de primos estava para fazer a Primeira Comunhão, rebelou-se. “Eu acho que não acredito em Deus”.
O tema veio forte em Batida Só, em que a narradora descobre uma doença cardíaca na vida adulta e se vê obrigada, pelas circunstâncias, a buscar a cura — não só da enfermidade, mas também a reabilitação da alma, do sentir e de viver. Depois que Maria João, de volta à cidade pequena onde viveu, reencontra uma amiga apegada à fé, cujo filho tem câncer, a espiritualidade começa a saltar em vários aspectos.
“Eu tive que fazer as pazes com a minha espiritualidade para escrever (o livro)”, revela. Mas deixa claro que a obra é ficção, embora a doença da filha (já curada) e a peregrinação por hospitais a tenham inspirado a escrever sobre o tema. Ela também pesquisou muito, foi a muitos “lugares de fé” para poder organizar a narrativa.
“A história que conto é totalmente ficcional, mas ter pernoitado em clínicas, hospitais e outros lugares fez com que eu observasse o corpo humano. Essa observação dos outros gerou a matéria-prima do livro”, revela.
Vigilante que é, Giovana também disseca temas como a expressiva comunidade zumbi formada pelos medicados para afecções psíquicas, que transforma o sentir e o viver.
“Sexo é bom” 2f6q4w
Neuza, mãe de Giovana, costuma perguntar à filha por que ela fala tanto sobre sexo — outra temática frequente nos livros e colunas da autora. Ela responde: “Mãe, porque o sexo faz parte da vida. Nós comemos, conversamos, viajamos e fazemos sexo. É uma parte indissociável da vida”, salienta.
Ela também toca no tema por ser mulher, e uma mulher feminista falando de sexo é primordial nos dias de hoje. Aliás, fazer com que as mulheres soltem a voz e o corpo é uma busca incessante da autora desde que ela se entende por gente e — depois — por mãe de uma mulher.
Isso também aparece nas suas ações fora da escrita. Em 2022, ao lado de Natalia Timerman e Paula Carvalho, ela aproveitou a Feira do Livro de São Paulo para reunir mais de 400 mulheres escritoras no Pacaembu para o evento “Um Grande Dia em São Paulo”, inspirado na foto histórica Um Grande Dia no Harlem.
O evento espalhou-se por outras 50 cidades, com milhares de autoras reunindo-se para fotos e mapeando a literatura produzida por mulheres no Brasil. Ela diz que foi “muito fácil” reunir essa galera justamente porque a literatura feminina precisa desse espaço de escuta, leitura e imagem.
De Giovana Madalosso, tudo pode ser roubado 6j24
E o que vem agora? Giovana está flertando com vários temas. “Eu vou morrer flertando. Eu não paro de flertar um minuto porque, estando viva na vida e apaixonada pela vida como eu sou, eu estou o tempo inteiro observando o mundo. O mundo me instiga muito.” É sabido. De Giovana, tudo pode ser roubado.
Serviço
Lançamento do livro Batida Só, de Giovana Madalosso
Livraria da Vila Curitiba – Pátio Batel
Quinta-feira, 26 de junho, 19h
FICHA TÉCNICA
Coordenação: Josianne Ritz
Apresentação e produção: Katia Michelle
Operação e edição: Evandro Soares
Email: [email protected]