Tempo e afeto temperam o ramen mais concorrido de Curitiba; conheça a história da Yujin

Entre caldos e filas de espera, a casa de ramen carrega um longa história de cumplicidade e resiliência

Lívia Berbel
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Thais, Guilherme e Carlos atendem os 100 clientes por dia na Yujin, casa de ramen (Luísa Mainardes)

Em tempos de coelhos da Alice, sempre atrasados, quantos estariam dispostos a esperar duas horas por um bowl de ramen? Em Curitiba, uma família decidiu que o tempo seria o ingrediente especial do restaurante. E, quase como um caminho contrário à modernidade, a ideia fez sucesso. Para além das especiarias dos ramens, a Yujin, na verdade, tem gostinho de resiliência e conforto de amor familiar.

A história da Yujin começa pouco antes da pandemia. Washington Takeuchi, engenheiro de telecomunicações por mais de 20 anos, viu a oportunidade de seguir seu sonho adormecido na gastronomia e sugeriu a ideia ao seu filho, Guilherme Takeuchi, que já tinha seguido os “os culinários”.

Formado em Gastronomia, Guilherme trabalhou em confeitarias e só saiu, no fim de 2019, para fazer um mochilão no próximo ano. Os planos de viajar, no entanto, foram frustrados pela pandemia da Covid-19, que isolou o mundo todo. Mas foi aí, no fundo de casa, que nasceu uma verdadeira produção de ramen – e entre família. Para contexto, vale lembrar, ramen é a pronúncia japonesa de lamen, como é mais conhecido.

Washington e Guilherme, pai e filho donos do ramen mais concorrido da cidade (Luísa Mainardes)

De Takeuchi Ramen até Yujin Ramen Ya

Antes da produção de ramen em casa, Washington e Guilherme já tinham feito alguns eventos pela cidade. A Oidê, por exemplo, que é outra casa de ramen, foi, também, o primeiro lugar em que pai e filho fizeram um evento. Foi lá que o sucesso do prato ficou comprovado e a ideia de um restaurante deles cresceu.

Nesse meio tempo, Washington aceitou um programa de demissão voluntária da sua antiga empresa, fez um curso de culinária no Centro Europeu, em Curitiba, e logo depois foi até o Japão aprender especificamente sobre o ramen. Lá, surgiu a ideia de importar uma máquina de ramen – que até hoje é a única aqui em Curitiba.

Com a máquina no Brasil, uma pandemia acontecendo e um plano de mochilão frustrado, a produção de ramen começou bem familiar. “A gente foi adquirindo conhecimento e durante a pandemia, como a gente fazia essas massas, a gente começou a mandar para os meus irmãos. A gente mandava o kit, porque aí eles ‘terminavam’ o prato em casa”, conta Guilherme.

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“É um conceito que já existia lá fora, de faça você mesmo. Na verdade não é o que você faz, você finaliza o processo em casa. A gente acreditava que a experiência de você ter o kit e finalizar em casa dessa forma era o mais próximo do que você tem no restaurante. É diferente de você já mandar uma massa cozida, porque ela vai perder ponto”, explica Washington.

O conceito de ‘faça você mesmo’ inspirou a Takeuchi Ramen, o primeiro nome do negócio. Toda produção acontecia na casa dos fundos da casa de Washington, Guilherme abria os pedidos toda segunda, às 9h da manhã e fechava assim que tivessem 100 pedidos. Depois de um tempo, os pedidos aram para domingo, às 16h. Deu muito mais certo do que esperavam e teve até recorde, 46 segundos para ter que encerrar o formulário.

Durante a semana, eram pai e filhos que viajavam por Curitiba fazendo as entregas também. E, claro, a época ficou marcada com carinho. “O tempo que fizemos delivery foi muito importante. Às vezes, eram duas, três horas que eu ficava ao lado do meu filho. A gente ouvia podcasts, músicas que os dois gostavam, ou até ficávamos em silêncio. É uma troca de pai e filho, faz parte do que o ramen trouxe pra nós”, conta Washington.

Foram três anos de Takeuchi Raman com pai e filho trabalhando, em 2020, 2021 e 2022. No final de 2022, Guilherme finalmente colocou o plano do mochilão em prática e quem ficou na cozinha foi o pai. A produção diminuiu, mas não parou. Os pedidos eram quinzenais. E depois de muito trabalho, viagens e testes, a Takeuchi se tornou Yujin Ramen Ya – com espaço físico.

Uma casa da ramen, não um império

Hoje, a Yujin fica no Alto da XV, bem na frente da linha do trem. São 100 porções de ramen por dia, de quarta-feira à sábado e 15 lugares no local. De cara, já dá para saber: a espera existe. Mas, para os clientes, parece valer a pena. Eram 16h27 quando a primeira cliente de uma sexta-feira fria chegou para tentar entrar na fila. A fila abre às 17h e o restaurante, às 18h. Mesmo assim, a cliente e família ficaram ali até abrir e foram os primeiros da noite.

A arte do ramen requer tempo (Luísa Mainardes)

“Não dá pra apressar certas coisas”, explicam Guilherme e Washington. Isso vale tanto para o prato quanto para o modo como o negócio é gerido. A equipe trabalha em ritmo humano: jornadas de 8 horas, cinco dias por semana. “Não queríamos repetir o modelo exaustivo de muitos restaurantes”, dizem. Produzem às segundas e terças, e distribuem o trabalho para que tudo chegue fresco, mas sem ninguém se sobrecarregar.

Na Yujin, além de Guilherme, ficam Thais e Carlos. Thais faz todo o processo de receber os clientes, inscrever na fila, posicioná-los conforme os lugares disponíveis. Carlos, por outro lado, é o outro chef da casa. E vale destacar que é tudo familiar mesmo. Thais é namorada de Guilherme e Carlos é um amigo de longa data. Washington e a esposa ficam na produção das massas durante a semana, mas não fazem atendimentos no restaurante.

Para quem olha de fora, a espera na fila e o número de lugares e porções contadas parecem até um “erro”. No entanto, a verdade é que tudo isso faz parte do conceito da Yujin. No japonês, a palavra significa amigo, e faz todo sentido com o que o restaurante se propõe.

“Eu acho que é quase poético, né? Cozinhar a sua comida aqui na sua frente, eu entregar para você, olhando para o teu rosto, e ver você consumindo aquilo. Isso tem muito valor, e na hora que isso acaba, já fugiu um pouco da nossa essência”, reflete Washington.

Com tanto sucesso, o caminho esperado seria aumentar o espaço, mas isso não faz parte dos planos da Yujin. “No início, até pensamos em ter um lugar maior. Mas concordamos que não valeria a nossa paz. A gente não quer um império, a gente quer ter a nossa pequena casa de ramen, que amamos muito”, conta Guilherme.

No Japão, a receita de ramen tem cinco elementos tradicionais: caldo, tare (molho), massa, óleo aromático e toppings. Na Yujin, um diagrama feito por um dos ‘Takeuchis’ mostra o sexto, essencial para os fundadores: o tempo. E, de fora, se pudesse adicionar mais um, seria o afeto. Uma casa de ramen familiar, mesmo quando todo mundo quer ser império.

A Yujin fica na Rua Flávio Dallegrave, 1160, no Alto da XV. Abre às 18h de quarta-feira a sábado. As inscrições para a fila começam às 17h no local. Também há opção de retirada do pedido. No Instagram @yujinramenya há mais informações.