1_cbnfot210520120427-16974103
Reprodução

z5h3g

Era quase hora de ir embora da redação, hora de fazer aquela ronda final no site da previsão do tempo, no whatsapp na polícia, nos sites de notícias e na lista de falecimentos da Prefeitura de Curitiba. Sim, sou jornalista das antigas que consulta mais de uma vez por dia a lista de falecimentos. Foi quando li ali escrito em caixa alta: DALTON JERSON TREVISAN, 99 anos. Era ele? Era o vampiro de Curitiba?

A respiração parou, duvidei, reli mais de uma vez, printei. Ao mesmo tempo, me lembrei da primeira vez que li “O Vampiro de Curitiba”. Voltei no tempo. Lembrei das vezes que ousei pensar em entrevista-lo em vão, da casa na Ubaldino do Amaral, das palavras, dos mistérios.

Perdida naquele luto estranho dolorido que sentimos por alguém nunca nos viu, mas nos sentimos próximos como alguém da família, comecei a apuração. Nesta altura, a equipe inteira da redação já estava envolvida na reportagem. Ninguém confirmava nada. Na funerária, funcionários gaguejavam ao dizer que não sabiam o nome. Porém, algumas fontes confirmavam a morte do escritor. Resolvemos escrever a reportagem e postar.

Resolvi entrar mais uma vez no site de falecimentos da Prefeitura de Curitiba. Desespero: o informe do falecimento de Trevisan sumiu. Nunca vi isso em quase 30 anos de jornalismo. Como poderia o Serviço Funerário de Curitiba emitir um número de FAF (Ficha de Acompanhamento de Funeral) e depois apagar? Impossível.

Mas, no momento, a fã falou mais alto que a jornalista. Agora, entendo que quis acreditar que o vampiro de Curitiba estava nos pregando uma peça. E, nisso, coloquei a reportagem no rascunho do sistema.

Conversamos com funcionários da funerária que não quiseram confirmar o nome de Dalton Trevisan, mas o tom das vozes denunciava algo errado. O assessor da prefeitura de Curitiba não negou, não afirmou e limitou-se a dizer que cabia à família dar as informações. Pessoas próximas a Trevisan continuavam a negar.

Aguardava os números seguintes de FAF para verificar a ordem. Se o número de Trevisan não aparecesse com o nome de outra pessoa, o registro tinha sido retirado – e não comunicado erroneamente. Claro que foi o que aconteceu. Postamos novamente a reportagem, que não deveria nunca ter mandado para o rascunho.

Lembrei-me do meu tio-avô de São Paulo, que há uns meses me ligou dizendo que tinha uma missão para mim: achar o Dalton Trevisan pare ele autografar a coleção completa dele de livros. Eu ri. Ele insistiu dizendo que era o sonho dele ter o autógrafo do vampiro de Curitiba. E eu contei quantas vezes tentei chegar perto de Trevisan sem conseguir. Senti muito pelo meu tio, por mim, pela literatura brasileira.

Enquanto isso, o fotógrafo Franklin de Freitas, que tantas vezes ficou de plantão na frente do prédio onde Trevisan morava no Centro de Curitiba em busca de uma imagem do vampiro, resolveu ir até lá. Esperou pouco tempo. Logo, os familiares começaram a chegar. E depois o carro da funerária, a mesma que aparecia na lista de falecimentos, estacionou para receber o corpo do nosso escritor mais lendário.
Um silêncio anormal tomou conta do grupo de whatsapp quando Franklin enviou aquelas fotos. Nós sabíamos que estávamos certos, mas gostaríamos de estar errados.

Ao final da jornada, lá pela meia-noite, eu ri alto. Não é que o vampiro de Curitiba nos surpreendeu também no final, nos deu uma história inesquecível para contar? Dizem que ele fez mais uma série de pedidos para serem cumpridos após a sua morte. Aguardo ansiosa os próximos capítulos.

E, como não vou conseguir dormir hoje, resolvi escrever esse texto antes de reler algumas das obras do Dalton Trevisan, um imortal como todo vampiro deve ser.