
Quando uma história pessoal se torna uma história do mundo? O ator curitibano Gabriel Stauffer pretende responder essa questão na prática. Depois de mais de uma década de carreira dedicada ao teatro, televisão e cinema, ele resgata sua formação como redator publicitário para escrever a história de sua família. 5z4v5u
Para isso, está fazendo um curso de escrita de autoficção em São Paulo, cidade que escolheu para morar há poucos meses. A dedicação tem um motivo: Gabriel quer contar ao mundo sua peculiar trajetória, que envolve não só a vida artística, mas também a renúncia à religião e uma mudança radical (e bastante recente) em seu núcleo familiar.
Após mais de 30 anos de casamento, os pais de Gabriel se separaram quando o pai assumiu sua homossexualidade. O que poderia ter sido um drama se transformou em uma história de superação, onde o amor prevaleceu — e esse é apenas um capítulo de sua trajetória.
Nascido em Curitiba, de pais cariocas que haviam acabado de se mudar do Rio de Janeiro, Gabriel brinca que é “um menino de lugar nenhum”. Curitibano de sotaque carioca, não era considerado um “piá”, tampouco um menino do Rio.
Mas a criança de sorriso fácil e cabelo encaracolado, que misturava os sotaques, chamava atenção por onde ava, fosse em terras cariocas ou paranaenses. Aos 4 anos, seus pais o inscreveram em uma agência de modelos mirins, e ele logo começou a fazer campanhas nacionais.
“Eu não me lembro muito bem dessa época, mas algo que me marcou foi o cheiro de gelo seco dos estúdios em que eu gravava. Um cheiro que encontro hoje nos sets de filmagem e que me remete a essa memória de infância”, conta.

“Virei protagonista da noite para o dia”
De família evangélica — os avós e os pais eram extremamente religiosos — ele cresceu dentro da Igreja Presbiteriana de Curitiba. Foi lá que teve o primeiro contato com o circo e o teatro. Ele e sua irmã mais nova, Rebecca, viviam intensamente os dias no Grupo Oxigênio, onde seu pai era diretor.
“Aprendi tudo ali: a cantar, dançar, interpretar. Ansiava pelos ensaios e por encontrar meus amigos”, conta, ressaltando que a igreja foi um período importante para o desenvolvimento de seus talentos.
Quando terminou o Ensino Médio, decidiu cursar Publicidade & Propaganda na PUC-PR. Começou a estagiar como redator em grandes agências de Curitiba até que, no quarto período, foi abordado na rua por uma caça-talentos.
Apesar de improvável, a abordagem rendeu uma viagem ao Rio de Janeiro e, em seguida, a decisão de se mudar para a cidade. Com o apoio dos pais, trancou a faculdade em Curitiba e se matriculou na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), no Rio.
Seu primeiro grande papel no teatro veio em 2014, como protagonista de O Grande Circo Místico, dirigido por João Fonseca. Pelo personagem Frederico, recebeu o Prêmio Cesgranrio de Teatro.
“Virei protagonista da noite para o dia. Estava ensaiando como substituto e, três semanas antes da estreia, o Tiago Abravanel decidiu, por motivos pessoais, deixar o elenco. O diretor resolveu apostar em mim. Fiquei muito nervoso. Cantava com o Edu Lobo me corrigindo nos ensaios”, lembra.
Depois disso, Gabriel atuou em outros musicais importantes, como A História de Wilson Simonal, em que interpretou o showman Luiz Carlos Miele.
Mas, como ressalta, nem tudo são vitórias. “A gente escuta muito ‘não’. Em vários momentos, eu quase fui escolhido e depois não dava certo. É preciso ter resiliência para aceitar e não desistir. E só ouvindo muitos ‘nãos’ a gente aprende isso.”
No entanto, os “sins” valeram a pena. Seu primeiro papel de destaque na televisão foi como Cláudio, em A Força do Querer (2017), após uma participação na série Nada Será Como Antes (2016). No mesmo ano, interpretou Felipe no filme Entre Irmãs, que posteriormente foi adaptado para uma série. Em 2019, integrou o elenco de O Sétimo Guardião, vivendo Walid, professor de karatê de Diana (Laryssa Ayres).
Mais recentemente, em 2022, interpretou Joel (adulto) na série da Netflix De Volta aos 15, baseada no livro de Bruna Vieira. No mesmo ano, participou da novela Pantanal, vivendo a versão jovem do personagem Dr. Gustavo.
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“O amor não morre, se reconecta”
No meio disso tudo, veio a reviravolta pessoal. Criado em um ambiente religioso, ao se mudar para o Rio de Janeiro, começou a conviver com pessoas de diferentes realidades. “Foi o primeiro o para eu me afastar da igreja. ei a desconfiar de um Deus que abandonava as pessoas por suas escolhas”, conta.
Em 2017, após uma cirurgia quase fatal, seu pai, o jornalista Sérgio Wesley, assumiu sua homossexualidade para os filhos. “Fiquei muito confuso. Como um Deus — pai de todos — poderia preparar um inferno para o meu pai?”, questionou.
Com o advento da “era Bolsonaro” e o fortalecimento do preconceito, Gabriel rompeu definitivamente com a igreja. “Abandonei completamente. Hoje tenho ojeriza. Cheguei a sentir raiva da religião”, diz.
Ele, que chegou a fazer trabalho missionário na África na adolescência, deixou a fé para trás, mas precisou fazer as pazes com o amor. A relação com sua família foi essencial para isso. “Imagino como foi difícil para o meu pai, que se casou aos 20 anos e logo teve filhos. Os pais dele eram muito rígidos, e ele nos criou da mesma forma que aprendeu.”
Gabriel lembra do impacto da cirurgia do pai e da revelação que veio a seguir. “Meu pai quase morreu, e entendo que isso tem a ver com ele viver uma vida que já não era para ele. Não desejo isso para ninguém.”
Ele agradece o fato de o pai ter tido tempo de viver sua verdade e encontrar um grande amor, agora com o apoio dos filhos e da ex-mulher. “Continuamos nos reunindo em datas especiais e almoços em família.”
Para Gabriel, a situação é semelhante ao que acontece na teoria do fim do processo de individuação, abordando por grandes nomes da filosofia e psicologia, como Carl Jung. “Tive que desconstruir a imagem do meu pai, mas hoje tenho orgulho dele e da minha mãe, que também está se reconstruindo. O importante é que eles se aceitam e são amigos. Nossa família continua unida.”
Na vida pessoal e profissional, Gabriel descobriu que o amor se transforma. “O amor se reconecta, descobre novas funções e abre novas possibilidades. Quero levar essa história para o mundo para que mais pessoas possam se libertar.”
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FICHA TÉCNICA
Coordenação: Josianne Ritz
Apresentação e produção: Katia Michelle
Operação e edição: Evandro Soares
Email: [email protected]